Apresento a seguir quatro dinâmicas de transformação que adquiriram forma bem específica em São Paulo nesta primeira década do século XXI.
1. A reorganização dos grandes sistemas de mobilidade e acessibilidade metropolitana.
A observação que as grandes infra-estruturas urbanas, com ênfase nos sistemas de transporte de massa e mobilidade, ganharam a prerrogativa de funcionar como elementos de agregação dos territórios metropolitanos e macro-metropolitanos, é bastante evidente em São Paulo. A estruturação metropolitana depende diretamente da sua capacidade de acompanhar a dinâmica de localização das atividades e garantir as continuidades ameaçadas pela fragmentação e organizam os fluxos evitando a dispersão funcional.
Hoje em São Paulo o principal desafio dos projetos e ações do setor de transporte de massa e mobilidade é garantir o funcionamento da máquina metropolitana em todos os seus distintos setores. Como ocorreu na constituição da metrópole no início do processo de industrialização, a remoção dos limites físicos permanece um atributo fundamental da sua organização. Entretanto, não se trata da urbanização ilimitada, da busca permanente de novas terras periféricas e distantes. A expansão do território metropolitano que rege os planos e projetos de mobilidade e transporte neste momento nasce da necessidade de articulação desta mancha urbana construída a partir dos pressupostos da expansão. Não se trata mais de atender, de forma tentacular e pontual, a demanda de transporte, mobilidade e acessibilidade, em toda mancha. Esta demanda foi atendida, embora de maneira insuficiente, pelo sistema de ônibus ao longo dos últimos 50 anos propiciando a grande expansão da mancha muita além dos limites toleráveis.
2. Impasse na reorganização dos setores e instalações industriais
Os dados apontam que uma parte significativa das instalações industriais localizadas nos diversos municípios metropolitanos está em processo de reestruturação funcional. Esta observação conduz a dois aspectos importantes da questão. Pois, por um lado, se constata o início de um movimento de deslocamento funcional da atividade industrial para outras regiões do Estado de São Paulo. Tal processo tem sido induzido por políticas públicas voltadas para a descentralização industrial, mas também por agentes privados em busca de melhores resultados econômicos. Por outro, que podemos interpretar como uma decorrência do primeiro aspecto, observa-se o abandono de grandes complexos e uma gradual substituição e adaptação destes espaços por edificações comprometidas com as novas funções da metrópole, sobretudo aquelas identificadas com o setor terciário. Ao lado deste movimento mais novo, há ainda, uma pequena presença na malha urbana metropolitana de instalações de pequeno porte disseminadas em antigos bairros industriais que vem sofrendo um lento processo de substituição, quase sempre regida pelo mercado imobiliário.
3. A propagação das redes de consumo, serviços e equipamentos na lógica da construção da cidade metropolitana.
As transformações físicas que se processam na metrópole rumo ao seu estágio de cidade metropolitana se concretizam através das grandes obras de infraestrutura urbana. Principalmente, através de obras associadas à mobilidade e à acessibilidade que pelo seu caráter sistêmico são realizadas pelo poder público de mais de um município, criando novas escalas de intervenção. Entretanto, a consolidação efetiva da cidade metropolitana, que se apresenta hoje como uma organização mais complexa no interior da metropolização se realiza através de outras dinâmicas de transformação que dependem de uma distribuição de serviços, de equipamentos públicos e privados, de redes de consumo até então presentes apenas em setores urbanos mais centrais e mais valorizados da metrópole. Este conjunto de atividades que começa a se propagar pelo território possui uma lógica específica e é ela que garante hoje a construção e, mais tarde, o funcionamento do território característico da cidade metropolitana.
É importante destacar o descompasso que os dados apontam, entre a oferta de equipamentos e serviços públicos e a propagação dos equipamentos de consumo. Este descompasso cria um novo padrão de urbanização onde a característica principal é a criação de áreas que conjugam valores urbanos ligados ao consumo próprios dos setores mais desenvolvidos da metrópole, com padrões urbanos característicos do denominado padrão periférico de urbanização.
4. A constituição das novas centralidades
O deslocamento de funções centrais, iniciado nos anos de 1950 teve importante repercussão no próprio Centro assim como fora dele. Houve, sem dúvida, a partir daquele momento uma reorganização descentralizada de funções que partiram para os bairros do município de São Paulo e para as emergentes áreas centrais dos municípios vizinhos. Foi um processo natural impulsionado pela metropolização que pode ser considerado positivo na medida em atendeu à ampliação da complexidade da vida urbana na metrópole.
Entretanto, o que é aqui apontado possui características novas e é parte de uma outra dinâmica que se tornou mais evidente a partir dos anos 80. Tem origem e desenvolvimento bem distinto da descentralização funcional descrita no parágrafo acima. Trata-se agora de um deslocamento de funções centrais com duas características essenciais. Por um lado aponta para uma dispersão de funções tradicionais do Centro para novos setores urbanos que não podem ser identificados como centros bairros, pois a chegada das novas funções não corresponde à emergência de uma centralidade complementar ao Centro. Pelo contrário, trata-se mais precisamente, de uma alternativa de localização do investimento imobiliário que até então tinha no Centro o seu lócus preferencial. Correspondeu claramente, desde a sua origem, a um deslocamento do capital imobiliário no interior do município da capital.
Olhado deste ângulo, este deslocamento não corresponde a um processo de desenvolvimento urbano, mas apenas a um movimento baseado em novas dimensões da atividade imobiliária, em interesses econômicos e especulativos condizentes com a transformação produtiva vivida pela metrópole. O eixo de movimentação das atividades centrais rumo a estes novos espaços, dirigiu-se no final dos anos 50 e durante a década de 60 para região da avenida Paulista, e caminhou na década de 70 para o sudoeste, consolidando novos setores, tais como, a avenida Faria Lima, a região do Itaim, alcançando as avenidas marginais ao rio Pinheiros, as regiões das avenidas Luiz Carlos Berrini e Verbo Divino, nos anos 80 e 90. Esta cronologia é obviamente relativa, pois o processo foi, sobretudo nos anos 70 e 80, concomitante.
A migração das funções centrais para estes novos nichos tem papel importante na organização funcional de São Paulo, sendo também um dado indispensável para a análise da reestruturação metropolitana atual. Embora, a origem e o desenvolvimento deste processo seja muito anterior aos anos 80, é a partir da conjuntura daquela década que o processo de explicita. A marcha das atividades centrais e do capital imobiliário rumo ao sudoeste do município de São Paulo, tem sido objeto de trabalhos acadêmicos e institucionais. Alguns autores apontaram o percurso desenvolvido pelas funções centrais como o resultado de um forte tropismo exercido pelo estabelecimento de grupos de elite que já haviam ocupado os bairros residenciais da região desde os anos 50.
Trata-se de uma hipótese correta e amparada em dados que a confirmam. No entanto, apesar do curso deste deslocamento ter permanecido fiel ao eixo centro-sudoeste do município, ao longo de cinco décadas, há distinções intrínsecas a cada um dos deslocamentos. Hoje vemos que os vultosos investimentos que o poder público fez nas décadas de 80 e 90 na infraestrutura viária deste setor, sobretudo através da construção de túneis, vias expressas e enormes pontes que facilitam o acesso para os moradores da própria região sudoeste, criaram situação favorável para os novos usuários e moradores dos bairros nobres situados na região. Confirmam esta observação o perfil das obras realizadas, do tipo de veículo que permitido circular, dos horários de direcionamento dos fluxos.
Conclusão: a metrópole de São Paulo é agente e não reflexo das transformações
A articulação entre a evolução urbana de São Paulo e as dinâmicas que atuam neste momento no seu território, apontam para a necessidade de adaptação do território ao novo padrão produtivo. Fica patente que a metrópole está neste momento convivendo com demandas urbanas distintas. A primeira corresponde a aspectos do ciclo inconcluso, relacionado ao período da industrialização e urbanização acelerada, baseada no padrão periférico de desenvolvimento. E, a segunda, impulsionada pela nova organização produtiva está exigindo da metrópole uma grande reorganização urbana. São Paulo vive hoje um processo de transformação que a obriga a fazer frente aos dois momentos consolidação de seu território. Neste sentido as principais dinâmicas de transformação são coerentes com o novo padrão produtivo globalizado. E, é claro que a forma que a metrópole e a macro-metrópole estão adquirindo não são meros reflexos deste processo mas um poderoso agente de inserção do país no mundo da economia globalizada.