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São Paulo – Cidade Metropolitana

Regina Maria Prosperi Meyer //

O atual quadro urbano da maior metrópole brasileira e latino-americana – São Paulo - impõe ao urbanismo duas perguntas bem precisas. A primeira é de ordem técnica e política: como abordá-la através de projetos urbanos que considerem sua condição de ponto relevante na rede mundial de cidades que dão suporte à economia globalizada e, ao mesmo tempo carrega os problemas da sua condição periférica? E, a segunda, decorrente desta, diz respeito aos parâmetros de projeto que devem ser utilizados para atender as duas demandas que esta sua dupla condição cria. Isto é, como melhorar a qualidade da vida urbana das camadas sociais mais pobres e, ao mesmo tempo explorar as potencialidades que as mudanças na forma de produção oferecem para a sua modernização.

São perguntas cujas respostas não nascerão da criatividade formal ou de posicionamentos retóricos. Ou seja, através da produção de manifestos voluntaristas nos moldes daqueles que tivemos ao longo do século XX, ou ainda, através de abordagens, tanto teóricas quanto pragmáticas, que não levem em conta a imensa gama de especificidades na qual está mergulhada a metrópole. De qualquer forma, responder estas perguntas implica elaborar análises dos processos históricos no qual foi construído seu território e consolidada a sua atual organização sócio-espacial.

Sabemos o quanto é difícil produzir tais análises lançando mão apenas de quadros, tabelas e comparações numéricas e gráficas, desconsiderando a análise histórica dos processos que presidiram a evolução urbana histórica e das dinâmicas que hoje nele operam. Pois, projetar na e para a cidade existente é uma forma de projeto e ação, que não dispensa a análise, a proposição e a implementação, fortemente condicionadas pelas características físicas, espaciais e funcionais do espaço urbano existente.

A história do urbanismo do século XX mostrou como propostas, teóricas e práticas, comprometidas apenas com o projeto da "cidade nova" e com o desejo de criar formas de projetar sua configuração, seu funcionamento e seu crescimento não lograram nenhum avanço. Pelo contrário, distanciado do objeto – a cidade existente - o urbanismo trabalhou sem nenhum vínculo com as possibilidades objetivas. De certa forma, desprezou a necessidade de entender os processos e as relações que atuam na evolução urbana.

Os questionamentos desta postura iniciados na década 60, quando a crítica internacional começou a esboçar um quadro das insuficiências do ideário da cidade modernista, teve o mérito de colocar o urbanismo frente a frente com o seu objeto de trabalho: a metrópole contemporânea. Para os profissionais responsáveis pelo projeto urbano a abordagem das metrópoles, desde a sua definição até as doutrinas que haviam conduzido as análises e as propostas, foi declarada esgotada. A cidade nova ou apenas as novas configurações não poderiam ser mais vistas como objetos ex- novo, produzidos e conduzidos de forma prévia e integral.

Vale lembrar que a alternativa representada pelo planejamento urbano, buscando criar a cidade do desenvolvimento disciplinado se mostrou também inalcançável diante da complexidade das questões urbanas. Na verdade, foram rejeitadas todas as formas de pensar e projetar a partir de projetos que simplificavam as questões urbanas. Reduzir as metrópoles e cidades a espaços onde a vida poderia ser organizada de forma definitiva, estanque e mono-funcional foi uma insistente ação dos urbanistas que sempre redundou em grandes frustrações. A cidade existente, através das suas formas de evolução, impôs suas regras. O puro jogo de composição de objetos urbanos distribuídos e disciplinados funcionalmente não logra mais atender e encaminhar os complexos processos de transformação das metrópoles modernas.

São Paulo é um bom laboratório para estas questões. A sua Região Metropolitana possui 8.051 km2 e é formada por 39 municípios, sendo o de São Paulo com 1.509 km2, o seu município sede. Nesta região onde reside uma população de 17,9 milhões de habitantes três características se destacam: 95,75% da população vivem em área urbana, 10,4 milhões estão concentrados no município de São Paulo e apenas 8 dos 39 municípios metropolitanos não formam uma mancha urbana contínua com os demais municípios. Os dados apontam que a participação da população do Município de São Paulo na RMSP vem reduzindo-se significativamente e verifica-se o crescimento expressivo das periferias metropolitanas.

Concentração industrial 1930
Concentração industrial 1950
Concentração industrial 1970
Concentração industrial 1997
Concentração industrial 1930 - 1997

Esta estruturação metropolitana de São Paulo é o resultado de um processo histórico que envolveu a ocupação urbana e a topografia do planalto paulista. O historiador americano e brasilianista Richard Morse debruçou-se sobre a cidade e na sua análise aponta para um conjunto de cinco grandes artérias de convergência que conformaram o território metropolitano e definiram o seu papel de ponto de articulação regional. Outros estudos da evolução urbana e da estruturação metropolitana de São Paulo atestam que a sua expansão foi sempre determinada por esses eixos de comunicação. E, correspondem, ainda hoje ao perfil da expansão metropolitana:

“Essas cinco estradas abriam-se em leque para o interior de São Paulo da seguinte maneira: 1. a nordeste, para o Rio de Janeiro, ao longo do rio Paraíba. Neste vale, estreito e densamente povoado, nascia próspera a economia do café nos inícios do século XIX. Havia nele algumas saídas laterais – ao sul, para a costa, pela Serra do Mar, e ao norte, para Minas Gerais, pela Serra da Mantiqueira – mas o Rio de Janeiro e São Paulo, em suas extremidades, constituíam os escoadouros naturais. 2. Ao norte, para Minas Gerais, através de Atibaia e Bragança. [...] 3. A noroeste, via Jundiaí, para Campinas, a rival de São Paulo durante todo o século XIX, penetrando depois no império do café. Mais tarde a estrada inglesa que partia de Santos seguiu este eixo. 4. A oeste-noroeste para Itu e Porto Feliz. [...] 5. A oeste para Sorocaba e daí para o sudoeste [...”].

No início do século XX temos uma questão importante; a cidade de São Paulo era um núcleo urbano pouco estruturado, porém possuidora de arredores muito articulados. Este aspecto ilustra bem uma tendência das cidades e metrópoles latino-americanas de crescerem de forma centrípeta, incorporando território e concentrando funções a partir de núcleos urbanos ainda incipientes.

A análise da estruturação metropolitana através desses grandes eixos de comunicação é muito importante e justifica a afirmação de que “São Paulo nasceu metropolitana”. E, deixa claro que a instalação do sistema ferroviário a partir de 1867, com a inauguração da São Paulo Railway, ligando o porto de Santos a Jundiaí, funcionou como um elemento estimulante desse esquema primordial. A instalação do primeiro “corredor de exportação” moderno, ligando o Porto de Santos às regiões cafeeiras marcou o fim de um processo disputado por vários grupos de interesses econômicos e políticos e o início da consolidação de uma rede ferroviária que conformaria a metrópole e a macro-metrópole. Já era evidente que tanto no seu trecho urbano quanto no trecho suburbano a dispersão da ocupação urbana e a baixa densidade eram então dados essenciais da metrópole, que passou a sofrer as conseqüências de ter-se tornado o maior centro industrial brasileiro. A sua organização estava diretamente condicionada pelos aspectos qualitativos da relação existente entre a industrialização e a urbanização.

A abordagem deste período da estruturação metropolitana requer maior aprofundamento no quadro no qual se insere o crescimento demográfico paulistano que não cabe desenvolver aqui. No município de São Paulo nas primeiras décadas do século XX, valeu a regra geral segundo a qual as características econômicas que regiam o processo de expansão da cidade se materializaram nas áreas periféricas, criando o território característico do que mais tarde é identificado como padrão periférico. Sua marca mais forte a partir da década de 50 foi a constituição de um espaço periférico no qual a segregação habitacional teve um papel decisivo na organização urbana e sócio-econômica da metrópole.

Esse traço resultado do padrão de urbanização e metropolização, correspondeu à instalação da indústria de base e da produção e consumo de massa. Essa conjugação inerente a qualquer processo de metropolização possui, no caso de São Paulo, outras variáveis. O economista Celso Furtado (1965) desenvolveu importante teoria para explicar a concentração demográfica em São Paulo. Para ele, o crescimento foi aqui precedentemente constituído de uma população que se transferia do campo para a cidade, e apenas posteriormente tornou-se uma massa de trabalhadores industriais, os futuros habitantes das áreas criadas dentro do padrão periférico.

Evolução da área urbanizada 1949 a 1992
Evolução da área urbanizada 1949 a 1992

A cidade metropolitana e a macro-metrópole
Este rápido relato do desenvolvimento metropolitano de São Paulo permite entender que foram bem distintos os atributos urbanos dos dois períodos da instalação e consolidação da metrópole industrial. No início do século XX, a industrialização e a urbanização estavam fortemente condicionadas pelo contexto de exportação agrícola, produzindo forte relação com o contexto regional. A segunda, na década 1950, o projeto nacional de industrialização acelerada, criou formas específicas de organização do território e deu origem ao nosso primeiro parque industrial moderno metropolitano.


Nesta primeira década do século XXI, um terceiro ciclo urbano se instala. Pois, já é claro que as transformações urbanas estão adquirindo atributos particulares associados às novas características do modo de produção industrial e ao avanço do setor de serviços.


A definição de cidade metropolitana apresentada por J. Borja e M. Castells em “Local e Global” coincide com conjunto de questões aqui apontadas. Pois, a cidade metropolitana é um espaço urbanizado de forma continua no qual se organizam aspectos da vida urbana, econômica, social, cultural e funcional, articulados. O traço mais evidente desta organização é a dissipação da urbanização em todo o território. Podemos constatar facilmente que a metrópole de São Paulo já não resulta em muitos de seus trechos uma justaposição simples de núcleos urbanos conurbados; isto é, um espaço regional resultante da relação entre municípios, com seus centros densos, suas áreas intermediárias e suas periferias, no qual cada elemento do conjunto – os municípios metropolitanos - permanece claramente definido. Portanto, não se trata mais de uma relação de justaposição física e funcional entre núcleos urbanos existentes e cuja representação gráfica resulta em figuras geométricas que se tangenciam criando relações recíprocas.


As explicações para este aspecto repousam no caráter ainda incompleto do processo. É importante para o desenvolvimento deste artigo que busca apontar alguns atributos deste novo ciclo urbano, reiterar que a essência do conceito de cidade metropolitana está intimamente associada às transformações que estão ocorrendo no interior da metrópole. E que sua principal característica é a reorganização e articulação da estrutura existente e de seu funcionamento interno tendo em vista a sua participação ativa na nova etapa.


Na outra ponta desta estrutura que se organiza em diferentes escalas está a Macrometrópole Paulista que relaciona núcleos urbanos num contexto regional de um raio de 100 km. Este Complexo corresponde a 17,18% da área do Estado de São Paulo, e abriga em seu interior 26,2 milhões de habitantes, correspondendo a 71,13% da população do Estado, e é responsável por 79,30% do PIB do Estado e 27,70% do PIB nacional. As relações que conduzem o uso e ocupação do solo nesse território são extremamente complexas e dependentes, pois resultam de dinâmicas de natureza diversa, desde as macroeconômicas, até aquelas que determinam as micro-relações que definem os espaços de moradia das populações metropolitanas.


Este complexo compreende além da região metropolitana de São Paulo com 18 milhões de habitantes, as regiões metropolitanas da Baixada Santista com 1,5 milhão de habitantes e de Campinas com 2,3 milhões habitantes; as aglomerações urbanas de Sorocaba e do Vale do Paraíba; e micro-regiões contidas no seu perímetro. Neste território está concentrado o mais avançado pólo produtivo, de pesquisa e tecnologia do país, que abriga: “as atividades metropolitanas típicas de centro financeiro, centro administrativo, centro direcional de empresas e organizações econômicas em geral, polarizadas na grande São Paulo; centros de pesquisa e investigação científico-tecnológica, distribuídos pelo núcleo metropolitano, por Campinas e São José dos Campos; centros universitários e tecnológicos de formação de mão de obra qualificada (ao lado da Grande São Paulo, Santos, Sorocaba, Campinas, São José dos Campos); refinarias de petróleo (Baixada Santista-Cubatão Vale do Paraíba, regiões de Campinas-Paulínea, Grande São Paulo-Capuava); amplos setores da produção industrial distribuídos ao longo das regiões de influência direta dos pólos metropolitanos e dos que se conotam como capitais regionais; uma área portuária e retroportuária de grande capacidade, ainda que de implantação administrativa e operacional antiquadas (porto de Santos/Vicente de Carvalho-Guarujá).


Este território vem sofrendo profundas transformações em todas as suas escalas. Algumas revelam de forma muito direta o percurso da metrópole do ponto de vista de sua história e de sua evolução urbana. Embora algumas sejam vistas como novas ou emergentes, está implícito que não se trata de questões conjunturais e que a atual situação tem relação intensa com os dois outros períodos da estruturação metropolitana.

 

Favelas / setores subnormais na RMSP - 1991
Favelas / setores subnormais na RMSP - 2000
Favelas / setores subnormais na RMSP - 1991 & 2000

As análises dos processos de transformação urbana em contextos sócio-econômicos distintos, apontaram a importância adquirida pela reestruturação do modo de produção capitalista, baseada em novas tecnologias. Os principais traços deste novo contexto urbano são, efetivamente, passíveis de muitas generalizações. Sem desprezar a importância destes aspectos generalizáveis na metrópole de São Paulo, pois também são uma informação preciosa sobre o novo processo, a opção neste artigo de dar mais ênfase aos aspectos específicos vividos por São Paulo.


A opção de apontar para a especificidade do processo paulista é mais do que uma questão metodológica. Pois, a meta é contribuir para a elaboração de uma agenda de planejamento e de intervenções urbanas que nos levem a responder as duas perguntas feitas na abertura deste artigo. É neste sentido que retomamos aspectos da dimensão metropolitana, tanto demográfica quanto territorial. E, é importante sublinhar que este é, na nossa abordagem, um aspecto central, quase hegemônico da organização urbana metropolitana e macro-metropolitana de São Paulo.


A Agência Habitat das Nações Unidas publicou em 2006 um quadro onde São Paulo aparece como uma das 9 megacidades do mundo. O quadro atesta o papel que o crescimento urbano e populacional continua desempenhando. O quadro da Agência Habitat – UN (2006), reforça a emergência de aglomerações urbanas com mais de 10 milhões de habitantes em diversos contextos sociais e econômicos como o traço mais marcante das atividades e funções que a nova economia tornou operacionalmente indispensável. No entanto, como é corretamente lembrado, persiste a necessidade de marcar a importante distinção entre as metrópoles que podem ser classificadas como cidades globais e as megacidades.

Conjuntos habitacionais der interesser social CDHU e COHAB 1965-1976
Conjuntos habitacionais der interesser social CDHU e COHAB 1977-1988
Conjuntos habitacionais der interesser social CDHU e COHAB 1989 - 2000
 
Conjuntos habitacionais der interesser social CDHU e COHAB 1965-2001

Apresento a seguir quatro dinâmicas de transformação que adquiriram forma bem específica em São Paulo nesta primeira década do século XXI.

1. A reorganização dos grandes sistemas de mobilidade e acessibilidade metropolitana.
A observação que as grandes infra-estruturas urbanas, com ênfase nos sistemas de transporte de massa e mobilidade, ganharam a prerrogativa de funcionar como elementos de agregação dos territórios metropolitanos e macro-metropolitanos, é bastante evidente em São Paulo. A estruturação metropolitana depende diretamente da sua capacidade de acompanhar a dinâmica de localização das atividades e garantir as continuidades ameaçadas pela fragmentação e organizam os fluxos evitando a dispersão funcional.

Hoje em São Paulo o principal desafio dos projetos e ações do setor de transporte de massa e mobilidade é garantir o funcionamento da máquina metropolitana em todos os seus distintos setores. Como ocorreu na constituição da metrópole no início do processo de industrialização, a remoção dos limites físicos permanece um atributo fundamental da sua organização. Entretanto, não se trata da urbanização ilimitada, da busca permanente de novas terras periféricas e distantes. A expansão do território metropolitano que rege os planos e projetos de mobilidade e transporte neste momento nasce da necessidade de articulação desta mancha urbana construída a partir dos pressupostos da expansão. Não se trata mais de atender, de forma tentacular e pontual, a demanda de transporte, mobilidade e acessibilidade, em toda mancha. Esta demanda foi atendida, embora de maneira insuficiente, pelo sistema de ônibus ao longo dos últimos 50 anos propiciando a grande expansão da mancha muita além dos limites toleráveis.

2. Impasse na reorganização dos setores e instalações industriais
Os dados apontam que uma parte significativa das instalações industriais localizadas nos diversos municípios metropolitanos está em processo de reestruturação funcional. Esta observação conduz a dois aspectos importantes da questão. Pois, por um lado, se constata o início de um movimento de deslocamento funcional da atividade industrial para outras regiões do Estado de São Paulo. Tal processo tem sido induzido por políticas públicas voltadas para a descentralização industrial, mas também por agentes privados em busca de melhores resultados econômicos. Por outro, que podemos interpretar como uma decorrência do primeiro aspecto, observa-se o abandono de grandes complexos e uma gradual substituição e adaptação destes espaços por edificações comprometidas com as novas funções da metrópole, sobretudo aquelas identificadas com o setor terciário. Ao lado deste movimento mais novo, há ainda, uma pequena presença na malha urbana metropolitana de instalações de pequeno porte disseminadas em antigos bairros industriais que vem sofrendo um lento processo de substituição, quase sempre regida pelo mercado imobiliário.

3. A propagação das redes de consumo, serviços e equipamentos na lógica da construção da cidade metropolitana.
As transformações físicas que se processam na metrópole rumo ao seu estágio de cidade metropolitana se concretizam através das grandes obras de infraestrutura urbana. Principalmente, através de obras associadas à mobilidade e à acessibilidade que pelo seu caráter sistêmico são realizadas pelo poder público de mais de um município, criando novas escalas de intervenção. Entretanto, a consolidação efetiva da cidade metropolitana, que se apresenta hoje como uma organização mais complexa no interior da metropolização se realiza através de outras dinâmicas de transformação que dependem de uma distribuição de serviços, de equipamentos públicos e privados, de redes de consumo até então presentes apenas em setores urbanos mais centrais e mais valorizados da metrópole. Este conjunto de atividades que começa a se propagar pelo território possui uma lógica específica e é ela que garante hoje a construção e, mais tarde, o funcionamento do território característico da cidade metropolitana.
É importante destacar o descompasso que os dados apontam, entre a oferta de equipamentos e serviços públicos e a propagação dos equipamentos de consumo. Este descompasso cria um novo padrão de urbanização onde a característica principal é a criação de áreas que conjugam valores urbanos ligados ao consumo próprios dos setores mais desenvolvidos da metrópole, com padrões urbanos característicos do denominado padrão periférico de urbanização.


4. A constituição das novas centralidades
O deslocamento de funções centrais, iniciado nos anos de 1950 teve importante repercussão no próprio Centro assim como fora dele. Houve, sem dúvida, a partir daquele momento uma reorganização descentralizada de funções que partiram para os bairros do município de São Paulo e para as emergentes áreas centrais dos municípios vizinhos. Foi um processo natural impulsionado pela metropolização que pode ser considerado positivo na medida em atendeu à ampliação da complexidade da vida urbana na metrópole.

Entretanto, o que é aqui apontado possui características novas e é parte de uma outra dinâmica que se tornou mais evidente a partir dos anos 80. Tem origem e desenvolvimento bem distinto da descentralização funcional descrita no parágrafo acima. Trata-se agora de um deslocamento de funções centrais com duas características essenciais. Por um lado aponta para uma dispersão de funções tradicionais do Centro para novos setores urbanos que não podem ser identificados como centros bairros, pois a chegada das novas funções não corresponde à emergência de uma centralidade complementar ao Centro. Pelo contrário, trata-se mais precisamente, de uma alternativa de localização do investimento imobiliário que até então tinha no Centro o seu lócus preferencial. Correspondeu claramente, desde a sua origem, a um deslocamento do capital imobiliário no interior do município da capital.

Olhado deste ângulo, este deslocamento não corresponde a um processo de desenvolvimento urbano, mas apenas a um movimento baseado em novas dimensões da atividade imobiliária, em interesses econômicos e especulativos condizentes com a transformação produtiva vivida pela metrópole. O eixo de movimentação das atividades centrais rumo a estes novos espaços, dirigiu-se no final dos anos 50 e durante a década de 60 para região da avenida Paulista, e caminhou na década de 70 para o sudoeste, consolidando novos setores, tais como, a avenida Faria Lima, a região do Itaim, alcançando as avenidas marginais ao rio Pinheiros, as regiões das avenidas Luiz Carlos Berrini e Verbo Divino, nos anos 80 e 90. Esta cronologia é obviamente relativa, pois o processo foi, sobretudo nos anos 70 e 80, concomitante.

A migração das funções centrais para estes novos nichos tem papel importante na organização funcional de São Paulo, sendo também um dado indispensável para a análise da reestruturação metropolitana atual. Embora, a origem e o desenvolvimento deste processo seja muito anterior aos anos 80, é a partir da conjuntura daquela década que o processo de explicita. A marcha das atividades centrais e do capital imobiliário rumo ao sudoeste do município de São Paulo, tem sido objeto de trabalhos acadêmicos e institucionais. Alguns autores apontaram o percurso desenvolvido pelas funções centrais como o resultado de um forte tropismo exercido pelo estabelecimento de grupos de elite que já haviam ocupado os bairros residenciais da região desde os anos 50.

Trata-se de uma hipótese correta e amparada em dados que a confirmam. No entanto, apesar do curso deste deslocamento ter permanecido fiel ao eixo centro-sudoeste do município, ao longo de cinco décadas, há distinções intrínsecas a cada um dos deslocamentos. Hoje vemos que os vultosos investimentos que o poder público fez nas décadas de 80 e 90 na infraestrutura viária deste setor, sobretudo através da construção de túneis, vias expressas e enormes pontes que facilitam o acesso para os moradores da própria região sudoeste, criaram situação favorável para os novos usuários e moradores dos bairros nobres situados na região. Confirmam esta observação o perfil das obras realizadas, do tipo de veículo que permitido circular, dos horários de direcionamento dos fluxos.

 

Conclusão: a metrópole de São Paulo é agente e não reflexo das transformações
A articulação entre a evolução urbana de São Paulo e as dinâmicas que atuam neste momento no seu território, apontam para a necessidade de adaptação do território ao novo padrão produtivo. Fica patente que a metrópole está neste momento convivendo com demandas urbanas distintas. A primeira corresponde a aspectos do ciclo inconcluso, relacionado ao período da industrialização e urbanização acelerada, baseada no padrão periférico de desenvolvimento. E, a segunda, impulsionada pela nova organização produtiva está exigindo da metrópole uma grande reorganização urbana. São Paulo vive hoje um processo de transformação que a obriga a fazer frente aos dois momentos consolidação de seu território. Neste sentido as principais dinâmicas de transformação são coerentes com o novo padrão produtivo globalizado. E, é claro que a forma que a metrópole e a macro-metrópole estão adquirindo não são meros reflexos deste processo mas um poderoso agente de inserção do país no mundo da economia globalizada.