É importante destacar que não se apresenta, por parte da vanguarda arquitetônica racionalista paulistana até o final da II Guerra Mundial, uma proposição urbanística substancialmente diversa dessa. Em suas manifestações públicas esses arquitetos revelavam entusiasmo com a rápida transformação da cidade, defendendo novas formas de produção da arquitetura compatíveis com o estágio de modernidade que se atingia. Os ecos da cidade do CIAM não chegaram a São Paulo com a mesma rapidez e força das diretrizes de modernização funcional, estética e construtiva da arquitetura.
A construção de alternativas ficou a cargo de Anhaia Mello, urbanista que defendia uma cidade poli-nuclear de expansão limitada. Apesar de alguma semelhança formal com a cidade radio-concêntrica de Prestes Maia, o modelo de cidade radial com núcleos periféricos de Anhaia Mello derivava da cidade jardim de Ebenezer Howard (1898): uma cidade de tamanho limitado, com um centro circundado por vários núcleos auto-suficiente dispostos ao longo de um amplo cinturão verde. O essencial na proposta era a construção de uma vida comunitária nos núcleos urbanos autônomos. Ao agrupar habitação, comércio, serviços e atividades de produção do tipo Arts &Crafts, o deslocamento diário entre núcleos e o centro principal se tornaria desnecessário. No entanto, esse conceito chegou ao Brasil já adaptado à era do automóvel por engenheiros urbanistas norte-americanos após a I Guerra Mundial . O modelo cidade jardim se transformara em subúrbio jardim.
Anhaia Mello tornou-se o principal difusor desse modelo em São Paulo e o apresentou como alternativa à congestão metropolitana. Nesse modelo, os núcleos se assemelhariam às cidades pequenas, cuja relativa autonomia dispensaria os deslocamentos constantes entre eles. Uma concepção que o levaria a se opor, em 1954, à implantação de uma rede de metrô em São Paulo. O zoneamento dos usos seria estratégico para garantir essa concepção.
O apelo à cidade poli-nuclear fundamentou as manifestações das organizações profissionais dos arquitetos pelo zoneamento como meio de ordenação da cidade. Em 1945 foi realizado o I Congresso Brasileiro de Arquitetos em São Paulo e em 1947 criado o Departamento de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil, mesmo ano no qual foi formado o Departamento de Urbanismo na Prefeitura de São Paulo, resposta oficial à demanda pela ordenação da cidade.
Robert Moses e Louis-Joseph Lebret, novos conceitos para a maior cidade brasileira.
Em 1949 uma equipe dirigida pelo norte-americano Robert Moses foi contratada pela prefeitura para elaborar o “Plano de Melhoramentos Públicos para São Paulo” . Moses trazia para São Paulo o modelo da Highway Research Board, o qual pretendia adaptar as cidades para comportar a expansão periférica horizontal em subúrbios residenciais de classe média motorizada. Ao invés de produzir um sistema de núcleos auto-suficientes, o subúrbio jardim norte-americano acompanhou o desenvolvimento da indústria automobilística, gerando a necessidade de grandes deslocamentos cotidianos para seus habitantes e o aumento da eficiência técnica das vias.
Quando veio para São Paulo, Moses já havia substituído os parâmetros dos seus projetos de parkways, implantadas a partir de 1938, pelo padrão das urban highway, que devastavam então grandes setores urbanizados de Nova Iorque. São as urban highways que Moses propôs para São Paulo.
Apesar de manter a estrutura radio-concêntrica do plano de Prestes Maia, Moses identificou o impacto da nova rede de rodovias estaduais que tinham São Paulo como centro regional. Sugeriu que as avenidas marginais ao Tietê e Pinheiros, já concebidas esquematicamente no plano de Maia, recebessem o tráfego das rodovias, concebendo a função que cumprem ainda hoje (de modo totalmente saturado).
O parâmetro de via presente no Plano de Avenidas foi substituído pelas “rodovias expressas urbanas”, que seriam mais adequadas a volumes de tráfegos elevados. Sem cruzamentos em nível e sem interferências de entradas e saídas de veículos nos edifícios, as vias expressas de Moses configuram uma cidade bem diversa daquela de Prestes Maia. A partir do critério de eficiência técnica, a separação das vias expressas da malha viária tornava irrelevante o seu impacto destrutivo no tecido urbano.
A oposição de esquerda aos norte-americanos, muito forte em um setor da sociedade brasileira durante a Guerra Fria e a difusão local das idéias da Carta de Atenas pode justificar a forte reação dos arquitetos a essa proposta .
No entanto, a principal alternativa a essa concepção de urbanismo viário surgiu em São Paulo com o trabalho do francês Louis Joseph Lebret, que fundou em 1947 a SAGMACS (Sociedade para a Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais). Lebret reuniu profissionais de várias áreas ao redor dos princípios do Movimento Economia e Humanismo francês, alternativa católica à polarização entre comunismo e fascismo que teve grande presença política Brasil. Inserido em um estudo de planejamento para toda a bacia hidrográfica dos rios Paraná e Uruguai, o estudo “Estrutura Urbana e Aglomeração Paulistana (Estruturas Atuais e Estruturas Racionais)” realizado entre 1956 e 1958 aplicava uma metodologia para o entendimento da cidade como um fenômeno histórico, social e econômico que seria a base para a formação e prática do planejamento urbano em São Paulo nas décadas seguintes. A análise cuidadosa da realidade da cidade demonstrava a interdependência entre os núcleos urbanos existentes, a complexa hierarquia entre eles superava a essência da concepção poli-nuclear.
A migração interna, do rural para o urbano e das regiões mais pobres para as mais ricas, transformava rapidamente as cidades. Se no censo de 1940, apenas 31,3% da população brasileira era urbana, em 1960 esse percentual crescera para 44,6% e chegaria a 78,4% em 2000. A cidade de São Paulo acompanhou esse ritmo, ultrapassando a população da capital nacional, o Rio de Janeiro, no censo de 1960, quando atingiu 3.825.351 habitantes. Em 2000 chegaria aos 10.434.252 habitantes.
Esse vertiginoso crescimento das cidades não foi planejado. Era uma concentração perversa, mas necessária para oferecer mão de obra barata para a industrialização, característica que produz até hoje cidades precárias, com periferias pobres através de ocupações carentes de infra-estruturas. Paradoxalmente, mostrou-se relativamente bem sucedida a estratégia do transporte público por ônibus, mais flexível do que os trilhos para servir as grandes extensões pela qual se distribuíam os novos moradores da cidade. De todos os serviços públicos, a rede de ônibus era a que mais se aproximava de cobrir toda a cidade em meados da década de 1950.
Para aproveitar as virtudes da grande aglomeração: o Plano Urbanístico Básico
Em 1961 Prestes Maia foi eleito prefeito, dando continuidade aos seus projetos viários aos quais incorporou os parâmetros das vias-expressas de Moses. Entre a sua gestão e as seguintes, de Faria Lima (1965- 1969) e Paulo Maluf (1969-1971), os principais corredores viários da cidade foram implantados, em sua grande maioria de acordo com o esquema original do Plano de Avenidas e da sua revisão de 1956, sem que isso resolvesse as dificuldades de circulação na cidade.
Ao final dessa segunda gestão de Prestes Maia os arquitetos tinham razoável presença pública na discussão dos problemas na cidade. Jovens arquitetos como Jorge Wilheim, formados na revisão crítica dos últimos CIAM, procuravam reconhecer as características da nova escala metropolitana e questionar como os valores culturais de vida urbana poderiam se transformar para sobreviverem nessa condição. Perguntava-se como conferir uma coesão social a essa população urbana, na medida em que os processos migratórios destruíram as identidades comunitárias pré-existentes. Contrariando a Carta de Atenas, o transporte público passa a ser defendido como um fator de integração social do habitante da metrópole e para isso deveriam ser abandonadas as estratégias de autonomia dos núcleos urbanos e das unidades de vizinhança. A coesão social não poderia depender das proximidades do domicílio. Deveria ultrapassar os limites dos bairros para que pudesse usufruir da totalidade da cidade, dos seus serviços de cultura, lazer e oferta de trabalho. Assim, o transporte surgia como um “fator de integração” para que o habitante se identificasse com as características metropolitanas do todo urbano. O transporte deixa então de ser pensado como apenas um meio de deslocamento entre funções distintas da vida citadina e passa ser estratégico para a construção de uma nova cultura urbana capaz de potencializar os aspectos positivos dessa escala de cidade.
A incapacidade das obras viárias em superar os conflitos e conferir eficiência à cidade estava patente nos congestionamentos e dificuldades para circular, que comprometiam o desenvolvimento econômico paulista na década de 1960. Sem interromper a continuidade das grandes obras viárias, o prefeito Faria Lima contratou dois planos: o da rede de Metrô e o Plano Urbanístico Básico.