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Ocupação e Desocupação na região central da Cidade de São Paulo - uma Visão além

José Armenio de Brito Cruz // 

O objetivo deste texto é a partir da análise da evolução  dos índices demográficos da Região Central da Cidade de São Paulo e da compreensão das tipologias construtivas aí consolidada ao longo das décadas de sua formação,  e compreender o índice de  densidade de ocupação, tanto sob o ponto de vista de potencial como da busca de um desenho de cidade alternativo ao modelo de espraiamento horizontal e da privatização das instâncias públicas da Cidade.

A Região Central é formada, segundo a Secretaria Municipal de Planejamento por nove Distritos, Bom Retiro, Braz, Cambuci, Consolação, Liberdade, Pari, República, Santa Cecília e Sé.  Esta região é um recorte territorial consolidado no município de São Paulo, consolidação esta ocorrida a a partir do segundo quarto do século XX.

A Região Central em Sub-Prefeituras

A Legislação Urbana que orientou e solidificou a tipologia construtiva da região passou por diversos formatos desde a sua origem até a lei de uso e parcelamento de 1972 que definiu e  consolidou ali um modelo de alta densidade e uso misto.  Eram determinadas zonas de uso que se auto-definiam como zonas de uso misto ou predominantemente residencial e de alta ou média densidade.  Eram, considerando as áreas determinadas, as seguintes principais zonas de uso: 

Zona 3 – uso predominantemente residencial de densidade média
Zona 4 – uso misto de densidade média e alta
Zona 5 – uso misto de densidade alta
Zona 12 e 13  -  predominantemente residencial de densidade média. 
Uma pequena parcela desta região (principalmente no Distrito do Cambuci) era definida como Zona 2 -  predominantemente residencial de densidade baixa. 

Esta estrutura de zonas concretizou um modelo de cidade que já havia se definido desde a secada de 30/40 a partir das legislações anteriores.  O Espólio Edificado da região deve ser entendido à luz do modelo urbano que orientou a sua conformação  e o institucionalizou  -  um modelo que orientava a alta/ média densidade demográfica e o uso misto.  Hoje, esta região é definida pelo Plano Diretor Estratégico do Município, como Zonas Mistas ou Zonas de Centralidades de Alta Densidade.

A população da região vem diminuindo segundo informam os índices do IBGE e Fundação Seade.  A um índice médioo de 2,26% ao ano, a população dos distritos reunidos na chamada região central baixou de 389.842 habitantes (1996)para 310.429 (2007).    Estes índices, ganham significado sob o ponto de vista da construção da cidade e sua ocupação, se analisados conjuntamente  às tipologias construídas na região, possibilitando assim a aferição da real densidade demográfica .  Entendemos que a densidade demográfica, além de um índice que relaciona população e área de território, define uma direção para a compreensão de um desenho da cidade e é este o foco de atenção neste texto.

Os índices de densidade demográfica aferidos a partir da capacidade de ocupação das construções ai localizadas tem origem nos índices urbanísticos de ocupação  -  chamados até hoje de “taxa de ocupação”  (quanto pode-se construir em área de projeção no terreno) e o “coeficiente de aproveitamento”  ( limitação máxima de construção sobre a área do terreno).  Com relação à taxa de ocupação  (T.O.) os valores aplicados nas referidas zonas partiam do mínimo de 0,6 e atingiam 0,8 com uma pequena incidência de 0,5 (Z 12 e Z13).  Os coeficientes de aproveitamento definidos iam do mínimo de 3 a 4, em algumas áreas consolidou-se em 8 devido a legislação pregressa.  É baixa a incidência do indice 2,5.  

O significado destes números pode ser ilustrado em um exemplo de lote de incidência médio na região  -  300m2.  Isto definiria considerando os índices médios  210m2 de projeção e um máximo de 1050m2 de área de construção computável.  O resultado seria um prédio de 5 andares aplicando-se o índice 0,7 de taxa de ocupação.  Já considerando os descontos de áreas de apoio, suporte e circulação, e ainda o térreo para comércio seriam 12 apartamento de 50m2 em média -  hoje a área de uma unidade habitacional de dois dormitórios que se inclue nos programas de financiamento vigentes.  Excluindo-se as áreas destinadas a espaços públicos e circulação além do uso não residencial, estes índices urbanísticos projetam uma densidade de 392 hab/hec.  Número este quase 6 vezes superior ao índice médio da cidade de São Paulo segundo dados da Secretaria Municipal de Planejamento. (71hab/hec).   A guiza de parâmetro de comparação, vale observar índices semelhantes em outras cidades do mundo  -  Paris 244hab/há, Manhattan 258hab/há, Madrid (Centro) 286hab/há. 

O centro de São Paulo, nos nove distritos analisados, apresenta, segundo a fundação Seade, para 2007, uma população de 310.429 habitantes, o que se dividido pela área destes nove distritos (excluindo-se uma taxa de 20% para equipamentos públicos e ruas), resulta uma densidade de 132hab/há -  alta se comparada com a média da cidade como um todo, e baixa se comparada com o potencial definido pelos padrões de uso e ocupação definido na região.

Nenhuma análise demográfica da região pode ser sériamente desenvolvida se não considerarmos a tipologia  pois a região é consolidada e agrega diferentes modelos de ocupação.  Verificando os índices oficiais divulgados pela Secretaria Municipal de Planejamento, a densidade varia de 42hab/ha a 225hab/ha nos nove distritos.  Respectivamente Pari e Bela Vista.  A história de ocupação dos dois bairros definiram tipologias diversas que atenderam a ocupações diversas.  É esta cidade consolidada, este desenho de cidade  define conflitos e oportunidades,  infelizmente ainda ausentes na definição de políticas públicas para a gestão do território.

A evasão de população, somada à analise da estrutura edilícia aí consolidada, define um cenário de subutilização e portanto de disponibilidade, denominado nas estruturas de mercado como aumento de disponibilidade de oferta de imóveis, o primeiro passo para uma escalada decrescente de preços e logo em seguida de informalidade.  Somente o poder público tem condições, através da elaboração de políticas para este fim, estancar este processo.   Portanto, sob uma perspectiva de sustentabilidade, hoje em pauta na análise das estruturas urbanas, mais do que uma disponibilidade, a tipologia ai consolidada aponta para um outro modelo de cidade, mais eficiente sob o ponto de vista de utilização das infra-estruturas urbanas, mais econômico no sentido da potencialização do investimento realizado e mais democrático se comparado com os paradigmas definidos pela horizontalização suburbana, seja ela na forma de condomínios mais ou menos luxuosos ou de periferias subnormais.

Neste momento, o estudo de tipologias desenvolvido em 2007 nesta região com o objetivo de determinação de diretrizes para a estruturação de uma política pública de aquisição e reforma para atendimento da demanda social de baixa renda na região, permitiu o estabelecimento de determinados focos de atuação.

O referido trabalho, “Metodologia de Avaliação Técnica de Imóveis para  Adequação em Habitação no Centro de São Paulo”, teve como objetivo classificar os tipos de edificações existentes no centro da cidade de São Paulo, quanto ao potencial de transformação destes em unidades habitacionais, a principio no atendimento ao Programa de Atendimento a Cortiços (PAC) da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano e foi desenvolvido sob nossa coordenação no escritório Piratininga Arquitetos Associados.  No transcorrer do trabalho, percebeu-se que a  metodologia adotada seria passível de aplicação em diversas faixas do mercado habitacional.  A classificação por tipologia associa cada categoria de edificação aos custos de sua transformação , através de índices e porcentagens de investimentos necessários às execuções da obra.  Os critérios usados na definição das tipologias foram:
- gabaritos (numero de pavimentos da edificação)
- implantação
- disponibilidade de aeração e insolação
- sistemas construtivos
- uso pregresso
- legislação original


E para dimensionamento de custos de intervensão foram utilizados e balanceados 4 criterios:
- custos SINDUSCON/SP
- custos  Sistema PINI
- diretrizes e parâmetros CDHU
- casos de experiências similares do  mercado privado.

A partir do cruzamento de infomações analisados no GEGRAN – Sistema Cartográfico metropolitano da Grande São Paulo  -  1975, Foto aérea da cidade de São Paulo  -  BASE 2000, Leis de Zoneamento  7805/72, Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo  -  Lei 13.530/02 desenvolveu-se visitas a campo já com sub-recortes tipológicos definidos executando-se levantamento fotográfico no registro das tipologias.  A partir do levantamento de campo à luz da cartografia citada bem como uma prévia análise de tecido consolidado, agrupou-se os tipos de edificação encontrados segundo os critérios citados, em 13 grupos.    A amostragem original definiu 13 tipologias a partir da avaliação de 148 tipos nos 9 distritos e respectivos subrecortes.    O trabalho consegue concluir uma curva que relaciona as tipologias e o custo de intervensão, definindo o alvo de atuação segundos custos e objetivos almejados. 

As 13 tipologias definidas estão expostas na TABELA 1.

 Ilustrações das Tipologias

Com o rol de tipologias definido, sobrepôs-se a análise de custos para os objetivos de projeto segundo as refencias citadas acima.  Obtendo para cada tipologia um gráfico como o ilustrado abaixo conforme os itens e etapas de construção.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Com o rol de tipologias definido, sobrepôs-se a análise de custos para os objetivos de projeto segundo as refencias citadas acima.  Obtendo para cada tipologia um gráfico como o ilustrado abaixo conforme os itens e etapas de construção.

 

exemplo de análise de composição dos itens de construção

Com esta informação de cada tipologia analisada por distrito foi possível a elaboração do gráfico de desempenho de custos de intervensão.

O Gráfico de Custos Comparados procura dispor em uma perspectiva projetual as oportunidades de readequação das estruturas edilícias do Centro.  Colocando já de forma estratégica as incluídas na faixa de interesse em função do objetivo que é o de fomentar a habitação no Centro da Cidade.

A definição dos índices utilizados de densidade populacional urbana, se visto de uma forma integra  -  considerando a infra-estrutura urbana, a economia (emprego e geração de renda), e o atendimento às demandas sociais (educação, saúde, lazer e demais)  -  é um forte instrumento na avaliação do grau de sustentabilidade de nossas cidades.  O custo do espraiamento do tecido urbano é enorme para toda sociedade.  O esvaziamento do Centro Consolidado é um lado desta moeda, o outro são as periferias sejam de baixa, média ou alta renda. 

A leitura da evolução demográfica (esvaziamento) diante da análise dos índices urbanísticos das legislações que formaram e consolidaram a região central dimensiona o fenômeno. Responde à pergunta – O Centro está descocupado? Quanto?.  A resposta é sim, apresenta uma subocupação, tanto sob o ponto de vista de infra-estrutura disponível como sob o ponto de vista das estruturas edificadas.  Causa e conseqüência  do espraiamento da cidade pelas periferias.  Quão e como desocupado?  A resposta a esta pergunta se dá também sob o aspecto da análise demográfica e de disponibilidade das estruturas edificadas.  Com relação ao primeiro aspecto (análise demográfica) , conforme  os dados expostos:  o esvaziamento populacional na região foi nas últimas duas décadas de 20,37%.   Sob o segundo aspecto, o da disponibilidade edilícia, o  índice de densidade calculado a partir da analise dos índices urbanísticos pregressos, dimensiona a população potencial  ,descontando -  se a taxa de uso misto (comercio e serviços) ,  na  região em 631.400hab.  O número absoluto da população da região central em  2007 é de 310429hab segundo a Fundação Seade.  A resposta portanto seria.  Se levarmos em conta o conjunto construído da região e o seu potencial de ocupação, a Região Central esta com uma taxa de no mínimo 50% de desocupação.  Se considerarmos a possibilidade de transformação de estruturas originalmente construídas para outros usos, este número tende a subir. 

Se enxergarmos o significado social e econômico da  questão assim exposta, percebemos que há um enorme custo que está onerando toda a cidade e sua população.  Seria como se 93mil unidades habitacionais estivessem tido sua obra iniciada e interrompida em estágio de pelo menos 50% da execução.  Se considerarmos o custo médio de R$ 40.000,00 por unidade, isto dimencionaria um custo de  R$1.860.000000,00 aplicado  e não utilizado.  O déficit habitacional oficial  da cidade de São Paulo é segundo a Fundação Getúlio Vargas, 1.5 milhão de moradias, no centro, teríamos então  inacabas 94mil unidades que rápidamente, com pouca intervensão e custo, abrigar aproximadamente 320.000 pessoas.

A questão do esvaziamento das estruturas construídas do Centro é uma questão de toda a sociedade, o custo é de todos.  O enfrentamento portanto deve se dar pelos diversos setores com uma direção clara do poder público no sentido de estancar a sangria de recursos que isto significa ano após ano.  ( há vinte anos os índices  de crescimento demográficos são negativos).  É uma oportunidade de qualificação da cidade através da democratização do acesso a moradia.  A região desenha a moradia além da unidade isolada e repetitiva em infindos conjuntos habitacionais.  A região define moradia como cidade.  Fomentando a ocupação da região com moradia estaremos qualificando a cidade.  Foi assim que aconteceu em diversos momentos da história e assim pode acontecer aqui e agora.

Uma estratégia de desenvolvimento dos projetos a partir da identificação das tipologias pode direcionar a geração de vizinhanças.  No levantamento de tipologias, tanto na sua identificação como incidência por subdistrito, é fácil localizar núcleos que podem ser entendidos como embriões desta uma nova ocupação guiada pela integração entre diversas faixas de renda.  Cada sub-recorte tipológico responderá de uma forma a esta direção com situações novas e potencialmente ricas sob o ponto de vista de inovação técnica e arquitetônica.

Alguns exemplos esparsos já foram desenvolvidos pelas diversos agentes do setor - CDHU, Caixa Econômica Federal, COHAB, Agentes Privados do Mercado Imobiliário.  Para que estas ações isoladas tomem caráter de reestruturação urbana, é necessário um Projeto que as integre no território. Ações de infra-estrutura,  qualifiicação de praças, calçadas (espaços públicos em geral), transporte público ou equipamentos como escolas, hospitais também devem integrar este Projeto.  Assim os investimentos públicos ou privados  tomarão caráter de ações no caminho de reestruturação urbana.  O entendimento da moradia além da própria unidade habitacional dirige para a construção da Cidade.  Este é o caminho de um projeto para a viabilização da região central como um território vivo da cidade e de fato ocupado em uma perspectiva sustentável.  Os dados apresentados aqui são instrumentos para esta reestruturação.  Um projeto e uma instancia de gestão territorial democrática com autonomia e durabilidade para a implantação deste projeto são condições da viabilização da transformação da região, considerando suas potencialidades e conquistas já acumuladas.  Um esforço multidisciplinar entre arquitetos, urbanistas, juristas e gestores públicos pode munir a sociedade de instrumentos reais de transformação.  

O desafio de São Paulo é o desafio de uma cidade adolescente. A nossa jovem democracia (26 anos) amadurecerá quando deixar de ser simplesmente eleitoral e avançar sobre a ocupação do território. A desafio é enxergarmos na cidade onde estão os embriões deste novo desenho, tanto sob o ponto de vista de ocupação como de tipologia construtiva. Certamente a região Central é um deles.

 

Revisão do texto  arquiteta Fabiana Stuchi  e arquiteta Renata Semin

O trabalho citado, “Metodologia de Avaliação Técnica de Imóveis para  Adequação em Habitação no Centro de São Paulo” foi desenvolvido no Escritório Piratininga Arquitetos Associados em um contrato com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Estado de São Paulo  -  CDHU/SP em 2007 com a seguinte equipe técnica:
Coordenação:
Arquiteto José Armênio de Brito Cruz
Arquiteta Renata Semin

Equipe:
Arquiteto Gustavo Partezani
Arquiteto Marcello Lindgren

Colaboração:
Arquiteto Leonardo Cunha

Estagiários:
Guilherme Gambier Ortenblad
Marina Malagolin